quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O (RE)APARECIMENTO DE UM LARANJA


    Sempre me confundiu verificar que o selo Ceres do 2 C, laranja, em denteado 15 x 14, em papel cartolina, era catalogado com sobrecarga Açores para aquele arquipélago e não era catalogado nos selos do Continente.

Selos de 2 C, laranja, denteado 15 x 14, papel cartolina com sobrecarga Açores

 
 
    Sabia que o selo com sobrecarga Açores não era um selo difícil. É até um selo que aparece com alguma frequência.

     Intrigado ficava quando verificava que Guedes de Magalhães o havia identificado.
 
    Castro Brandão indicou-o na sua primeira edição do estudo Variedades dos Selos de Tipo Ceres e Lusíadas do Continente, mas já não o mencionou na segunda edição do mesmo estudo.
    O Engenheiro Miranda da Mota, profundo conhecedor e estudioso dos selos ceres, não o referia no seu estudo Os Papéis dos Selos Ceres de Portugal publicado na Convenção Filatélica.
    O catálogo Simões Ferreira, ao que me parece, nunca o catalogou. Pelo menos não consta nos catálogos mais antigos que conheço – 1936 e 1937.


    O catálogo Eládio de Santos catalogava-o e atribuía-lhe cotação. Posteriormente passou apenas a cataloga-lo mas sem atribuição de cotação, dando a ideia de ser um selo não conhecido.

    O catálogo de Portugal de Selos Postais – Numismática e Filatelia, Lda, de 1984, catalogava-o e atribuía-lhe uma cotação em usado, que na altura era cerca de doze vezes superior ao mesmo selo de denteado 12 x 11 ½ em papel cartolina.

    O catálogo Afinsa nunca o catalogou.

    Era uma situação que me deixava confuso. As probabilidades de efetivamente o selo existir sem a sobrecarga Açores era praticamente nula.

   Teria mesmo acontecido que os selos, naquele tipo de papel e denteado, teriam sido todos sobrecargados com Açores?

    Era uma situação possível, mas mantive sempre a ideia de que não deveria ter sido assim, pelo que sempre vasculhei tudo na esperança de encontrar um exemplar.

    Depois de tanto tempo de procura, finalmente encontrei em usado, um 2 C, laranja, denteado 15 x 14, em papel cartolina: 108/110 microns.

 
 
 
    O curioso é que o selo tem a lápis, no verso, o número correspondente ao catálogo Eládio de Santos, naquele papel e denteado, devendo ter pertencido a alguma antiga coleção.

    É mais uma casinha a abrir no catálogo…

 
    Bibliografia:
- Magalhães, A. Guedes de, Apontamentos Sobre Selos Ceres – A Cronologia das Tiragens para o Continente
- Brandão, A. de Castro, Variedades dos Selos de Tipo Ceres e Lusíadas do Continente - Mercado Filatélico do Norte de Portugal – Porto -1942
- Brandão, A. de Castro, Variedades dos Selos de Tipo Ceres e Lusíadas do Continente – 2ª Edição 1956 - publicado Mercado Filatélico – JAN/MAR 1973
- Mota, José Manuel Miranda da, Os Papéis dos Selos Ceres de Portugal, Convenção Filatélica, Setembro 2003, nº.6
- Catálogo Simões Ferreira, 1936; 1937
- Catálogo Portugal de Selos Postais – Numismática e Filatelia, Lda, 1984
- Catálogo Eládio de Santos, 1950; 1992
- Catalogo Afinsa, 1990; 2013
 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

PAPEL AZULADO? NÃO É NÃO!


Qual é o papel, dito azulado, em que foram impressos os selos Ceres de ½ Centavo, preto, denteado 15 x 14, 2 Centavos, laranja, denteado 12 x 11 ½ , e 4 Centavos, verde, denteado 15 x 14?
Selo de 2 C, laranja, denteado 12 x 11 1/2, papel azulado
 
Sobrescrito registado de Outeiro ( 12/09/1920 ) para França, via Porto ( 13/09 ), com selos no verso do 1/2 centavo, preto, papel azulado, tira de três do 4 centavos, verde, papel azulado e selo de 1 centavo, castanho, papel amarelado, todos em denteado 15 x 14
 
 
O Engenheiro Miranda da Mota descreve o Papel Azulado como apresentando uma cor azul ténue que se nota nas partes não impressas do selo, o qual, ao ser observado contra a luz, apresenta um pontinhado horizontal irregular de maior ou menor grau de nitidez.
Efetivamente, na minha opinião, é um papel que apresenta uma característica própria, para além da sua tonalidade azulada, pois que a sua superfície, quando observada a luz rasante, apresenta pequeníssimos sulcos irregulares, que lhe transmitem o tal pontinhado irregular.
O que há escrito sobre estes selos:
Oliveira Marques diz:
 
1920 – Em fins de Março de 1920 inaugurou-se o “caos do papel”. No dia 31 desse mês e durante Abril, Maio e Junho surgiram, na Casa da Moeda, as seguintes qualidades:
 
1º. […]
 
2º. – Papel de estampilhas de imposto – talvez o azulado, visto que nesse mês se imprimiram selos de ½ C, 2 e 4 C, unicamente, sendo precisamente esses os que se conhecem em papel azulado. O picotado é 15 x 14 ou 12 x 11 ½, o que dá a entender tratar-se de selos impressos entre 1920 e 1922, ano em que se passou a utilizar só a máquina de 12 x 11 ½.
3º. […]
4º. […]
Portanto, entre 31 de Março de 1920 e 23 de Dezembro do mesmo ano, entraram na oficina de fabrico e saíram impressos selos, nas seguintes quantidades:
 
Março e Abril: Papel cartolina, papel azulado e papel amarelado} 75 resmas
Selos emitidos: ½ C – 8.280.000 – Abril
                             2 C – 1.140.000 – Abril
                                       5.600.000 – Maio
                              4 C – 5.040.00 – Abril
                                        1.350.000 – Maio
Alexandre Guedes de Magalhães escreve:
1920 – […]. Quase simultaneamente são utilizadas muitas outras qualidades de papel de descrição quase impossível. De entre todas, são facilmente identificáveis as apontadas a seguir:
[…]
Papel azulado, fino, 15 x 14
 
½ C preto
4 C verde claro
Papel azulado, fino, 12 x 11 ½
 
2 C laranja
[…]
Foram os exemplares usados que me fixaram o ano de aparecimento destes selos. De alguns valores pude ver quantidades suficientes, todos usados em 1920 ou posteriormente, outros valores incluo-os por critérios de simetria, nem sempre confirmado pelos factos.
Castro Brandão na 2ª. Edição de Variedade dos Selos Tipo Ceres e Lusíadas:
Fez algumas alterações em relação à primeira edição, tendo incluído o 2 C laranja em papel azulado no denteado de 12 x 11 ½ mencionando-o na emissão de 1917/1920. O ½ C preto, 15 x 14, em papel azulado, atribui-lhe a impressão em 1920.
 
Pereira Leite:
 
Refere a existência do papel azulado nas três taxas conhecidas, não indicando o ano de surgimento, limitando-se a assinalar o ano de emissão da taxa.
 
Miranda da Mota:
Para além do já referido sobre as características do papel azulado, classifica o selo de 2 C, laranja, denteado 12 x 11 ½, em papel azulado como um selo raro.
Os catálogos:
 
 

O catálogo Simões Ferreira e o catálogo de Portugal de selos postais, indicam a impressão do ½ C, preto, papel azulado, denteado 15 x 14, em 1920 e o 2 C, laranja, papel azulado, denteado 12 x 11 ½ e 4 C, verde, papel azulado, denteado 15 x 14, incluem-nos dentro dos selos emitidos na série de 1917/1920.
O catálogo Eládio dos Santos não atribui datas de impressão a estes selos, neste tipo de papel, incluindo o ½ C, preto, na emissão de 1912 e o 2 C, laranja e o 4 C, verde, na emissão que considera ser de 1917/1922.
O catálogo Afinsa é o único, e na minha opinião mal, que indica a emissão dos selos do ½ C, preto, e o 4 C, verde, em papel azulado, ambos em denteado 15 x 14, como emitidos em 1918. Está correta a indicação do 2 C, laranja, papel azulado, em denteado 12 x 11 ½ como emitido em 1920.
 
Vem isto a propósito do leilão nº.62 da leiloeira PDias, realizado no passado dia 19JUL14, relativamente ao lote nº.1224, composto pelo selo cuja imagem se segue, que se encontrava descrito no catálogo do leilão como selo Ceres de 2 centavos, laranja, CE 223, Papel azulado, denteado 12 x 11 1/2.


A foto do selo deixava dúvidas quanto à tonalidade e características do papel do exemplar apresentado. No entanto sei que não nos podemos orientar por imagens ou fotos devido às resoluções dos scanners ou máquinas fotográficas, que muitas vezes distorcem a real imagem.
Orientei-me pela descrição do lote e licitei-o.
O selo descrito é bastante raro, nomeadamente em estado novo.
O lote foi-me atribuído.
Quase dois meses após o leilão recebi o selo. Logo à primeira observação verifiquei, sem qualquer dúvida, que não se tratava do selo Ceres de 2 centavos, laranja, Afinsa 223, em papel azulado, em denteado 12 x 11 ½, mas sim um selo Ceres de 2 centavos, laranja, Afinsa 223, em papel acetinado. Um acetinado pouco comum, bastante macio.
De imediato comuniquei à leiloeira, via email, que o selo não era o descrito e de que iria proceder à sua devolução para que lhe fosse feita uma análise e, posteriormente, me fosse comunicado o que houvesse por conveniente, pois que na minha opinião, o selo para ser em papel azulado tinha de estar impresso no mesmo tipo de papel do ½ centavo, preto – Afinsa 207 – e 4 centavos, verde – Afinsa 226.
Alguns dias depois, o responsável da leiloeira enviou-me um email, onde amavelmente me explicou a sua versão sobre a classificação do tipo de papel do selo.
Disse-me que na primeira análise não tinha dúvidas quanto à determinação do tipo de papel, que era o que mais importava para o lote, ou seja o tipo de diferenciação do papel. Que numa analise técnica por comparação também não tinha dúvidas, embora, existissem exemplares com mais incidência no tom azulado do papel. Que o papel azulado empregue na taxa de ½ centavo, preto, nada tinha a ver com o papel utilizado nas taxas de 2 e 4 centavos. Tinham sido impressos em épocas diferentes, sendo que o papel utilizado em 1918 é sempre de tom muito mais azulado e forte que os de 1920. Numa análise técnica mais aprofundada confirmava tratar-se de tonalidade azulada, totalmente diferente dos papéis acetinados de 1920, tanto no toque como na qualidade do papel. Disse-me ainda que, mesmo que o papel do selo fosse acetinado, seria sempre a sua tonalidade a prioridade para atribuir o grau de raridade, no caso, papel azulado.
Mostrou disponibilidade para certificar oficialmente o selo.
Perante o que me foi transmitido e sabendo eu que a análise ao tipo de papel não estava correta, concluí que não me ia levar a nada acentuar a reclamação, a não ser, talvez, mais despesas. Acedi à emissão do certificado de expertização.
Tenho agora um selo com um certificado que diz que é o que efetivamente não é.
 

Para contrapor oficialmente aquela opinião, enviei o selo ao INEXFIP a fim de que fosse expertizado o selo e emitido o respetivo certificado.

Recebido o certificado verifico sem surpresa o resultado: papel acetinado.

 

Conclusões:

Que cada um tire as que julgar pertinentes.

 
Bibliografia:
- Marques, A.H.R. de Oliveira, História do selo Postal Português, Volume II
 
- Magalhães, A. Guedes de, Apontamentos Sobre Selos Ceres – A Cronologia das Tiragens para o Continente
- Brandão, A. de Castro, Variedades dos Selos de Tipo Ceres e Lusíadas do Continente - Mercado Filatélico
- Leite, M. Pereira, Ceres – Dois Mil Milhões de Selos em Trinta Anos de Circulação – Mercado Filatélico
- Mota, José Manuel Miranda da, Um(a) Laranja Amargo(a) para os Catálogos, Catálogo da XV Exposição Filatélica Nacional – Gaia 90
- Mota, José Manuel Miranda da, Os Papéis dos Selos Ceres de Portugal, Convenção Filatélica, Setembro 2003, nº.6
- Catálogo Simões Ferreira, 1958; 1981
- Catálogo Portugal de Selos Postais – Numismática e Filatelia, Lda, 1984
- Catálogo Eládio de Santos, 1950; 1992
- Catalogo Afinsa, 1990; 2013